domingo, 24 de outubro de 2021

Toda Vez

A primeira vez que aconteceu foi com um contexto diferente. Bastou um olhar cruzado distante para desestabilizar minha semana até que eu descobrisse quem era a dona dos olhos puxados e cinzas que tinha passado por mim.

Eu podia escrever um parágrafo pra voz, timbre e sotaque dela, outros pra cada pedaço do corpo mais lindo que já toquei ou ainda um decreto inteiro pra personalidade mais guerreira e simultaneamente doce, tudo isso escondido debaixo de uma fantasia de indiferença que usa para enfrentar o dia a dia.

Mas o foco desse texto são os olhos. Ou melhor, um momento específico do olhar. A fração de segundo exata em que os lábios deixam de se tocar e as pálpebras permitem que os olhos se vejam e expressem mais que qualquer palavra poderia num espaço tão curto de tempo.

Toda vez acontece isso. Toda vez é como se tudo que eu precisasse estivesse ali, a menos de um palmo de distância de mim.

Toda vez eu quero que tenha a próxima vez.

domingo, 9 de fevereiro de 2020

Fred

Sempre quis ter um cachorro, mas meus pais são extremamente lunáticos com limpeza e organização, o que não combina com o animal e eu já aceitava que não teria um.

Acontece que um dia meu pai chegou em casa, abriu a porta do carro e aquele ser branco com pintinhas pretas saiu com a cola abanando, correndo e cheirando tudo.

O Fred chegou. Um filhote de dalmata enorme que fazia uma quantidade de bagunça e sujeira proporcional ao seu tamanho, mas que era tolerado pela alegria que proporcionava lá em casa. Até a primeira vez que viajamos e ele ficou sozinho.

A mãe tinha um canteiro de flores imenso debaixo de uma sacada da sala, e foi a primeira coisa que percebemos que não estava mais no lugar quando paramos o carro na frente do portão depois de chegar do litoral. A segunda cena deveria ter sido somente divertida: o Fred apareceu com a cola abanando, mas em vez do branco com pintas pretas, ele era marrom com pintas, de tanto barro que tinha no pelo.

Entramos no terreno e o Fred corria de um lado para o outro, mostrando cada uma das plantas da mãe em um lugar diferente, orgulhoso pela nova arrumação do jardim. Eu já sabia que - um mês depois da chegada - aquele seria o último ato dele ali em casa (ele foi doado, nada de crueldade com os bichos!!!).

Hoje percebo duas coisas graças ao Fred: naquela época ainda não era maduro o suficiente para ser responsável por alguém, já que boa parte da bagunça dele poderia ser evitada com alguns cuidados e; às vezes mesmo que alguém te faça feliz em alguns momentos, você precisa analisar o todo pra ver se o resto não está só causando problemas.

Mas tenho certeza que hoje não falta maturidade e, se o Fred ou algum outro cachorro não durassem um mês não teria como fazer algo diferente. Você pode mudar, esforçar-se para fazer durar, mas em qualquer tipo de relação precisa haver cooperação de quem está envolvido, uma parte não pode fazer tudo sozinho.

terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Inanição.

Um dos rascunhos de textos de 2015 estava intitulado com "Inanição". Na época terminara de ler a história de um rapaz que definhou de fome após se perder e, inspirado, comecei um texto com "a fome do espírito é tão desgastante quanto a do corpo", que seria mais um dos vários desabafos disfarçados dentre os postados e os muitos outros que ainda estão perdidos nos meus rascunhos.

Acabei por desistir do texto há época. A fome (de espírito) culminou com os estoques de energia e, do mesmo jeito que o personagem fictício aceitou seu destino e aguardou o último suspiro, inerte, havia me rendido e não via mais propósito em despender forças com meus hobbies se o que aguardava era um irremissível final triste.

Existem aqui duas diferenças substanciais: enquanto o aventureiro do livro ficou sem provimentos, eu tinha acesso ao que acreditava que iria me nutrir, mas estava escolhendo errado; e certamente eu não teria o mesmo destino trágico que ele. 

Lógico que isso eu só enxerguei depois (agora) e cheguei na fase de ver a jocosidade no que acreditava ser a pior das desgraças. 

Com um sorriso no rosto, entre um parágrafo e outro caçoando o revés supervalorizado de cinco anos atrás, agradeço por estar plenamente satisfeito e sigo me nutrindo com o que há de mais simples, que é o que realmente importa.

sábado, 3 de agosto de 2019

Difícil.

Sábado, 6h42mim. Esse é o horário que eu comecei esse texto na esperança de que escrevendo eu consiga tirar isso seja lá de qual lugar que esteja latejando na minha cabeça.

Uma semana inteira seguida acordando depois de ter dar um beijo, sentir teu corpo ou com uma passada de unha pelo pescoço até no queixo com aquele olhar de quem acabou de tomar o controle sobre mim de um jeito que só você fazia. Tudo tão rico em detalhes que parece que os 4 anos foram só 4 meses.

Quando acabou e nos sentamos na pracinha da cidade pra conversar e por as coisas a limpo, como se fôssemos totalmente maduros emocionalmente, o momento que ecoa na minha cabeça até hoje é: "que difícil vai ser ter qualquer coisa com alguém depois de algo tão bom pra comparar", durante um abraço daqueles de um minuto inteiro, mas que ainda assim não são longos o suficiente.

Ainda é difícil.

Não acho que exista qualquer brecha no destino que faça nossos caminhos cruzarem de novo, mas não consegui me entregar pra mais ninguém. Os olhos não brilharam mais olhando pra outros, como com as jabuticabas.

Eu não sei como terminar esse texto que é mais um pedido de ajuda pra me deixar seguir em frente, já que qualquer outra coisa eu tentei: não tenho fotos, não tenho os presentes e não tenho contato, mas das lembranças eu não consigo me desfazer.

domingo, 11 de novembro de 2018

Não some

Não some. 
Depois daquela madrugada a última coisa que me passaria pela cabeça seria sumir, mas acordar com essa mensagem teve um efeito psicológico tão forte que me fez ter ainda mais vontade de ficar. 

E fiquei. Por um dia. Foi o tempo que ela levou para mudar de ideia. 

Seria muita inocência achar que, de fato, existiu alguma intenção que desapareceu da noite pro dia. Tenho usado isso como bálsamo pelo papel de idiota que protagonizei em ter acreditado, por mais de uma semana (estou com prazo para entregar uns trabalhos, dizia ela), que após a conclusão das tarefas aquele meu convite recusado seria retribuído.

Mas o motivo de voltar a escrever depois de mais de um ano é que já faz um tempo considerável que isso aconteceu e mesmo assim, a cada vez que a imagem dela passa pelas redes sociais ou pior, pela minha cabeça lembrando daquele sorriso, volto ao papel de idiota esperando que ela ache uma brecha para mim e, mentalmente peço: 
Não some.